quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Tema de debate 5 - "O Desporto em Portugal"


"Apesar de nos últimos anos ter havido alguma evolução na conquista de resultados desportivos a nível internacional, Portugal ainda tem um longo caminho a percorrer na obtenção de melhores resultados. Na maioria das vezes, as delegações portuguesas regressam a casa quase sempre de mãos vazias, facto que já ninguém estranha. Regra geral, o discurso proferido pelos nossos atletas e seus responsáveis antes das grandes competições é quase sempre o mesmo - “...vamos dar o nosso melhor, mas sabemos que é difícil trazer uma medalha.” Ou seja, são raras as vezes onde está implícito a vontade e o querer de ganhar a todo o custo. Mas porquê ainda esta mentalidade competitiva? É realmente uma pergunta pertinente e de difícil resposta. Em minha opinião existem dois grandes problemas que impedem os nossos atletas de ganharem mais medalhas e de terem melhores prestações globais. Primeiro, não existe um acompanhamento nem estruturas adequadas para a prática desportiva nas escolas. Isto é, ao longo do trajecto escolar, os nossos jovens vão tendo as respectivas aulas de Educação Física (EF) sem que haja uma ligação coesa e harmoniosa durante esse percurso. A carga horária desta disciplina de EF é muito reduzida (3 horas semanais), as matérias do programa são utópicas e desfasadas da realidade actual, para já não falarmos das fracas instalações desportivas que dispomos nos nossos liceus. Não acreditamos que com uma carga horária tão reduzida possamos fazer um trabalho sério e com profundidade. Para vos dar uma ideia, no âmbito desta disciplina, os alunos são obrigados a realizarem uma infinidade de unidades temáticas no sentido de dominarem todas as situações de jogo ou habilidades motoras nas mais variadas modalidades, como por exemplo, no basquetebol, no futebol, no voleibol, na ginástica desportiva, no atletismo, etc. Este facto não me parecia totalmente erróneo se o número de horas a leccionar fosse bem maior. Contudo, ao verificar-se a situação inversa, os professores leccionam as respectivas unidades temáticas de uma forma acelerada, originando uma aprendizagem demasiado densa e superficial. Penso que seria muito mais lógico e racional que os alunos dominassem duas ou três modalidades à escolha, na certeza que iriam ter muito maior rendimento. A este respeito, nos Estados Unidos da América, os jovens desde que entram para a escola até que completam o secundário usufruem de uma estrutura perfeitamente montada que lhes permite praticar a ou as modalidades para as quais têm mais apetência, permitindo, assim, uma maior e melhor especialização. Por exemplo, ao nível do basquetebol ou do futebol americano, aqueles que mais se destacam desde muito cedo farão parte da equipa do seu liceu até o concluir. Isto permite que desde tenra idade se formem grupos de bons jogadores ou atletas para que numa fase posterior - etapa universitária -, atinjam as mais altas performances desportivas.
O segundo problema diz respeito à falta de equipas que detectem e seleccionem talentos desportivos. A detecção e selecção de talentos jogam um importantíssimo papel na procura organizada, sistemática e científica de crianças e jovens com capacidades para a prática do desporto acima da média. Estas equipas seriam fundamentais, pois evitariam que muitos talentos se perdessem ingloriamente. Estou em crer que, por esse território fora, principalmente no interior do nosso país, há um enorme desperdício de jovens talentosos. Todavia, apesar deste processo de detecção e selecção de talentos ser deveras importante, pode tornar-se numa faca de dois gumes. Na antiga Alemanha de Leste, as crianças dotadas para a prática desportiva eram remetidas ao isolamento para poderem treinar de manhã à noite. Porém, muitas delas foram forçadas a viver em autênticas “fábricas de campeões”, longe de familiares e amigos, perdendo a maior parte da sua juventude. Muitas das crianças envolvidas neste processo nunca conseguiram obter os resultados que muitos esperavam, talvez fruto de uma grande pressão psicológica e ausência de carinho. Assim, não devemos cair em tal erro, já que a primeira grande regra para a prática de qualquer modalidade é o gosto e o prazer que esta nos pode proporcionar. Acima de tudo, temos que saber se os jovens se sentem realmente felizes com a prática desportiva. Nenhuma criança deve abandonar abrupta e radicalmente o seu habitat sem que haja um cordão umbilical entre a criança como atleta de alta competição e a criança como ser humano que é. A partir daqui, caso seja possível conciliarmos a vontade própria das nossas crianças e jovens com aquilo que os técnicos especializados consideram ser um talento desportivo, certamente que estaremos no bom caminho.
Resumindo, há que mudar a estrutura e a organização para prática desportiva na disciplina de Educação Física e começarmos a pensar em adoptar um projecto saudável e credível de detecção e selecção de talentos desportivos."

Jornal Comercio de Leixões (2003).

Mário A. Cardoso Marques, PhD
Department of Sport Sciences, University of Beira Interior, Covilhã, Portugal
Professor and Researcher
Lab Director
Associate Editor of the International Journal of Volleyball Research

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